Sérgio Lima/Folha

Deputados e senadores estão tiriricas com a imprensa. Os mais exaltados dizem que a mídia trama o fechamento do Congresso.


Os congressistas ainda não se deram conta. Mas, em verdade, quem conspira contra o Congresso é o Congresso.


Convertido em templo de vilanias e privilégios, o Legislativo como que assumiu a missão inconsciente de se autodesnudar.


Em matéria de transgressão ética, a alma do negócio sempre foi o segredo, o anonimato, a moita, a sombra, o encoberto, o recôndito.


Os parlamentares esqueceram, porém, de maneirar. E o exagero deu à perversão um ar de caricatura. Tome-se, por eloquente, o caso da cota de passagens:

Vôos com as mulheres e os filhos para Paris, Nova York, Londres, Buenos Aires... Finais de semana nas melhores praias do país. Aluguel de jatinhos.


Alguns gabinetes da Câmara permitiram-se até abrir um balcão de revenda de bilhetes aéreos. Um mercado negro de passagens custeado pela Viúva.


É como se Suas Excelências desejassem denunciar o crime, cometendo-o à larga.


Subverteu-se, pelo exagero, a alma do negócio.


Fora de si, o Congresso denuncia, sem querer, as próprias transgressões.


Fundou-se em Brasília uma legenda revolucionária: o PVP (Partido da Vanguarda da Perversão).


É uma agremiação plural. Abriga direita, centro e esquerda. A química que conduz à união pós-ideológica é o usufruto de todas as mordomias que o erário pode pagar.


O PVP demarca os seus erros com esmero. Assombrado com a fieira de pistas primárias, o Ministério Público pôs-se em movimento.


Súbito, o caso foi às manchetes. Ganhou ares de escândalo. Suicida didático, o PVP cuidou para que o escândalo fosse de fácil absorção.


A bugrada decodifica instantaneamente o privilégio de que não desfruta. Qualquer dona de casa sabe: não é fácil guardar o troco da farofa da praia do fim de semana.

Para complicar, o cinto apertado da crise tornou-se eloquente evidência de que a fuzarca congressual, uma hipocrisia de meio século, teria de acabar.


José Sarney baixou, sob protestos da grei de senadores, uma resolução com o veto à parentela. Michel Temer fez o mesmo. Porém...

Porém, submetido à gritaria que vem do clero raso, Temer deu meia-volta. O “definitivo” passou a depender do voto do plenário. E pode cair.


O risco de fechamento do Congresso, por inexistente, é falácia dos cultores da mamata. A verdadeira encrenca tem outro nome.


Chama-se i-r-r-e-l-e-v-â-n-c-i-a. No presidencialismo à brasileira, o Congresso não é senão o oco do vazio. O presidente de plantão faz dele gato-sapato.


A coisa funciona assim: O inquilino do Planalto compra uma maioria congressual. Paga com cargos e verbas. E governa por meio de definitivas medidas provisórias.


Ao quebrar lanças pela manutenção de privilégios e mordomias, o nada apenas empurra sua insignificância às fronteiras do paroxismo.

Depois de arquitetar cuidadosamente os equívocos que o levaram a ser pilhado, o Congresso já não pode recusar aos financiadores do show o deleite da auto-revisão.

A menos que cultive também, secretamente, o desejo de ser abandonado. Não fosse pela obrigatoriedade legal, um pedaço do eleitorado brasileiro nem iria às urnas.


Dependendo de como se comportar Brasília, a manchete de 2010 pode ser a seguinte:


‘Morre o Congresso, vítima da crise que ele próprio fabricou”.

Fonte: Blog do Josias de Souza